|
Os Cânones de Dordt
Tradução: Walter Andrade Campelo
Introdução
A decisão do Sínodo de Dordt (ou Sínodo de Dort) sobre os Cinco Pontos Principais de Doutrina em Disputa na Holanda é popularmente conhecida como os Cânones de Dordt (ou os Cânones de Dort). Ele consiste de declarações de doutrina adotadas pelo grande Sínodo de Dordt que se reuniu na cidade de Dordrecht em 1618-19. Apesar de este ter sido um sínodo nacional das Igrejas Reformadas da Holanda, ele teve um caráter internacional, pois não foi composto somente por delegados holandeses, mas também por vinte e seis delegados de oito países estrangeiros.
O Sínodo de Dordt foi reunido para resolver uma séria controvérsia nas igrejas holandesas iniciada pelo surgimento do Arminianismo. Jacob Arminius, um professor de teologia na Universidade de Leiden, questionou o ensino de Calvino e seus seguidores em um número de importantes pontos. Após a morte de Arminius, seus próprios seguidores apresentaram seus pareceres em cinco destes pontos na Representação de 1610. Neste documento ou em escritos posteriores mais explícitos, os Arminianos ensinavam a eleição baseada em fé prevista, expiação universal, depravação parcial, graça resistível, e a possibilidade de queda da graça. Nos Cânones o Sínodo de Dordt rejeitou estes pareceres e estabeleceu a doutrina Reformada nestes pontos, a saber: eleição incondicional, expiação limitada, depravação total [da humanidade], graça irresistível, e perseverança dos santos.
Os Cânones tem um caráter especial devido ao seu propósito original como decisão judicial sobre os pontos de doutrina em disputa durante a controvérsia Arminiana. O prefácio original lhes chamou de "julgamento, no qual tanto o verdadeiro parecer, de acordo com a Palavra de Deus, concernente os supracitados cinco pontos de doutrina são explicados, como o falso parecer, discordante da Palavra de Deus, é rejeitado". Os Cânones também tem um caráter limitado em que eles não cobrem todo o leque de doutrina, mas está focado nos cinco pontos de doutrina em disputa.
Cada um dos cinco pontos principais consiste de uma parte positiva e de uma parte negativa, a primeira sendo uma exposição da doutrina Reformada sobre o assunto, e a última uma rejeição dos correspondentes erros. Cada erro que é rejeitado será aqui mostrado como uma citação em azul e itálicas. Apesar de no formato haver somente quatro pontos, nós trataremos propriamente de cinco pontos, porque os Cânones foram estruturados para corresponder aos cinco artigos da Representação de 1610. Os pontos principais 3 e 4 foram combinados em um, sendo designados como Terceiro e Quarto Pontos Principais.
Esta tradução para o português foi desenvolvida a partir da tradução dos Cânones de Dordt para a língua inglesa, feita com base nos originais em latim, e que foi adotada pelo Sínodo da Igreja Cristã Reformada em 1986. Os textos bíblicos aqui apresentados foram transcritos a partir da tradução do Texto Sagrado para a língua portuguesa realizada por João Ferreira de Almeida (em versão Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original), publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, em 1995.
Ao final de cada artigo na parte positiva de cada um dos pontos principais deste documento foram acrescidas referências bíblicas, diretamente relacionadas com o tópico tratado, de modo a facilitar o estudo bíblico deste documento. Estas referências não fazem parte do documento original, e estão apresentadas com tipo de tamanho reduzido e em vermelho.
A Decisão do Sínodo de Dordt sobre os Cinco Pontos Principais de Doutrina em Disputa na Holanda
Primeiro Ponto Principal de Doutrina
Rejeição de Erros (I)
Segundo Ponto Principal de Doutrina
Rejeição de Erros (II)
Terceiro e Quarto Pontos Principais de Doutrina
Rejeição de Erros (III/IV)
Quinto Ponto Principal de Doutrina
Rejeição de Erros (V)
Conclusão
Primeiro Ponto Principal de Doutrina
Divina Eleição e Reprovação
O Julgamento Concernente à Divina Predestinação a Qual o Sínodo Declara Estar de Acordo com a Palavra de Deus e Aceita Até Agora nas Igrejas Reformadas, Estabelecida em Vários Artigos.
Artigo 1: O Direito de Deus de Condenar Todas as Pessoas
Desde que todas as pessoas têm pecado em Adão e estão sob a sentença de maldição e morte eterna, Deus não cometeria injustiça contra ninguém se fosse sua vontade deixar toda a raça humana em pecado e debaixo de maldição, e condená-la por causa do seu pecado. Como diz o apóstolo: todo o mundo seja condenável diante de Deus (Rm.3:19), Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm.3:23), e porque o salário do pecado é a morte (Rm.6:23).
Rm.5:12; Rm.3:19,23; Rm.6:23
Artigo 2: A Manifestação do Amor de Deus
Mas é assim que Deus mostrou seu amor: ele enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
I Jo.4:9; Jo.3:16
Artigo 3: A Pregação do Evangelho
Para que as pessoas possam ser trazidas à fé, Deus misericordiosamente envia proclamadores desta jubilosa mensagem às pessoas que ele quer e no momento em que ele quer. E por meio deste ministério as pessoas são chamadas ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado. Por que como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? (Rm.10:14-15).
Is.52:7; I Co.1:23-24; Rm.10:14-15
Artigo 4: Uma Dupla Resposta ao Evangelho
A ira de Deus permanece sobre aqueles que não crêem no Evangelho. Mas aqueles que o aceitam e abraçam a Jesus, o Salvador, com uma fé viva e verdadeira, [estes] são libertos através dele da ira de Deus e da destruição, e recebem o dom da vida eterna.
Jo.3:36; Mc.16:16; Rm.10:9
Artigo 5: As Fontes da Incredulidade e da Fé
A causa ou a responsabilidade por esta incredulidade, assim como por todos os outros pecados, não está de modo algum em Deus, mas no homem. A Fé em Jesus Cristo, entretanto, e a salvação através dele são um dom gratuito de Deus. Como dizem as Escrituras: Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus (Ef.2:8). Do mesmo modo: Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo... crer nele (Fl.1:29).
Hb.4:6; Ef.2:8; Fl.1:29
Artigo 6: Decreto Eterno de Deus
O fato de que alguns recebem de Deus o dom da fé durante a vida, e que outros não, se origina de seu decreto eterno. Porque todas as suas obras são conhecidas por Deus desde a eternidade
(At.15:18;
Ef.1:11).
De acordo com este decreto ele graciosamente amolece os corações outrora duros de seus escolhidos e os inclina a crer, mas por seu justo julgamento deixa em suas maldades e dureza de coração aqueles que não foram escolhidos. E nisto especialmente nos é manifesto este ato — insondável, e tão misericordioso quanto justo — de distinguir entre pessoas igualmente perdidas. Este é o bem conhecido decreto de eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Este decreto os maldosos, impuros, e instáveis distorcem para sua própria perdição, mas, ele supre as almas santas e pias com um consolo inexprimível.
At.13:48; I Pe.2:8; Ef.1:11
Artigo 7: Eleição
Eleição [ou escolha] é o imutável propósito de Deus pelo qual ele fez o seguinte:
Antes da fundação do mundo, por pura graça, segundo o soberano bom propósito da sua vontade, ele escolheu em Cristo para a salvação um número definido de pessoas em particular dentre toda a raça humana, a qual caiu de sua inocência original, por sua própria falta, em pecado e ruína. Aqueles escolhidos não foram nem melhores nem mais merecedores que os outros, mas se prostram com eles na mesma situação de miséria. [Deus] fez isto em Cristo, o qual também designou desde a eternidade para ser o mediador, o cabeça de todos os escolhidos, e o alicerce de sua salvação. E assim [Deus] decidiu dar os escolhidos a Cristo para serem salvos, e chamá-los e efetivamente atraí-los à comunhão com Cristo através de sua Palavra e Espírito. Em outras palavras, ele decidiu conceder-lhes verdadeira fé em Cristo, justificá-los, santificá-los, e finalmente, após sua poderosa preservação em comunhão com seu Filho, glorificá-los.
Deus fez isto tudo para demonstrar sua misericórdia, para louvor das riquezas de sua gloriosa graça.
As Escrituras dizem: Como [Deus] também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado" (Ef.1:4-6). E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Rm.8:30).
Ef.1:4,11; Jo.17:2,12,24; Jo.6:37,44; I Co.1:9; Ef.1:4-6; Rm.8:30
Artigo 8: Um Único Decreto de Eleição
Esta eleição não é de muitos tipos; é uma e exatamente a mesma eleição para todos os que deveriam ser salvos tanto no Velho e como no Novo Testamento. Porque a Escritura declara que há um único beneplácito, propósito, e conselho da vontade de Deus, pelo qual ele nos escolheu desde a eternidade tanto para a graça quanto para a glória, tanto para a salvação quanto para o caminho da salvação, o qual ele de antemão preparou para que andássemos nele.
Dt.7:7; Dt.9:6; Ef.1:4-5; Ef.2:10
Artigo 9: Eleição Não Baseada em Presciência de Fé
Esta mesma eleição não aconteceu com base em previsão de fé, de obediência à fé, de santidade, ou de qualquer outra boa qualidade ou disposição, como se fosse baseada em um pré-requisito, uma causa ou uma condição na pessoa a ser escolhida, mas ao contrário, [aconteceu] para o propósito da fé, da obediência à fé, da santidade, e assim por diante.
Concordemente, a eleição é a fonte de cada um dos benefícios da salvação. A fé, a santidade, e os outros dons da salvação, e ao final a própria vida eterna, fluem da eleição como seus frutos e efeitos. Como diz o apóstolo: Como também nos elegeu... (não porque seríamos, mas)... para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor (Ef.1:4).
Rm.8:30; Ef.1:4
Artigo 10: Eleição Baseada na Boa Vontade de Deus
Mas a causa desta eleição imerecida é exclusivamente a boa vontade de Deus. Isto não implica ele escolher certas qualidades ou ações humanas, entre todas aquelas possíveis, como condição para a salvação, mas ao contrário implica sua adoção de certas pessoas em particular dentre a massa comum de pecadores como sua própria possessão. Como dizem as Escrituras: Não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal... Foi dito a ela (Rebeca): O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a Esaú (Rm.9:11-13). Também: Creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48).
Rm.9:11-13; Gn.25:23; Ml.1:2-3; At.13:48
Artigo 11: Eleição Imutável
Exatamente como o próprio Deus é sumamente sábio, imutável, onisciente, e Todo-Poderoso, deste modo a eleição feita por ele não pode ser nem suspensa, nem alterada, revogada, ou anulada; nem seus escolhidos podem ser lançados fora, ou seu número ser reduzido.
Jo.6:37; Jo.10:28
Artigo 12: A Garantia da Eleição
A garantia dessa sua eterna e imutável eleição para salvação é dada aos escolhidos no tempo devido, ainda que em vários estágios e em diferentes medidas. Tal garantia não vem através de uma busca inquisitiva nas coisas ocultas e profundas de Deus, mas observando dentro deles mesmos, com alegria espiritual e santo deleite, os inconfundíveis frutos da eleição assinalados na Palavra de Deus — tais como: verdadeira fé em Cristo, temor filial de Deus, santo arrependimento por seus pecados, fome e sede de justiça, e assim por diante.
Dt.29:29; I Co.2:10-11; II Co.13:5; II Co.7:10; Mt.5:6
Artigo 13: O Fruto Desta Garantia
Por sua consciência e segurança desta eleição diariamente os filhos de Deus encontram enorme razão para se humilharem diante de Deus, para adorar a insondável profundidade de suas misericórdias, para se purificarem, e para retornarem fervoroso amor a ele que primeiro tão grandemente os amou. Isto está longe de dizer que esta doutrina concernente à eleição, e que a reflexão sobre ela, faça os filhos de Deus [se tornarem] negligentes em observar seus mandamentos ou carnalmente autoconfiantes. Pelo justo julgamento de Deus isto usualmente acontece àqueles que levianamente têm por concedida a graça da eleição e engajam-se em inútil e impudente discussão sobre ela, mas que relutam em andar no caminho dos escolhidos.
I Jo.3:3; I Jo.4:19
Artigo 14: Ensinando Adequadamente a Eleição
Exatamente como, pelo sábio plano de Deus, esta doutrina concernente à divina eleição foi proclamada através dos profetas, pelo próprio Cristo, e pelos apóstolos, nos tempos do Velho e do Novo Testamento, assim também deve ser proclamada hoje na igreja de Deus. Pois, como foi especificamente planejada, esta doutrina deve ser assim proclamada — com um espírito de discrição, de modo reverente e santo, no tempo e lugar apropriado, sem uma busca inquisitiva nos caminhos do Altíssimo. Isto deve ser feito para a glória do santíssimo nome de Deus, e para o vivificante consolo do seu povo.
At.20:27; Jó 36:23-26; Rm.11:33; Rm.12:3; I Co.4:6
Artigo 15: Reprovação
Além disto, a Sagrada Escritura, muito especialmente, ilumina a eterna e imerecida graça da nossa eleição e a torna mais clara a nós, em que testifica que nem todas as pessoas foram escolhidas, mas que algumas não foram escolhidas ou foram deixadas fora da eterna eleição de Deus. — Aqueles sobre os quais Deus tomou, com base em sua plena soberania, e em seu mui justo, impecável, e imutável juízo, a seguinte decisão: Deixá-los na miséria comum na qual, pelo seu próprio erro, eles mergulharam a si mesmos; e não conceder-lhes a fé salvadora e a graça da conversão; mas finalmente condená-los e eternamente puni-los (tendo sido deixados em seus próprios caminhos e sob seu justo julgamento), não somente por sua incredulidade, mas também por todos os seus outros pecados, de modo a mostrar a sua justiça. E esta decisão de reprovação, de modo algum faz de Deus o autor do pecado (um pensamento blasfemo!), mas ao contrário, o faz o temível, irrepreensível, e justo juiz e vingador.
Rm.9:22; I Pe.2:8; At.14:16
Artigo 16: Respostas à Doutrina da Reprovação
Aqueles que ainda não experimentaram ativamente em seu próprio ser a fé vivificante em Cristo ou uma segura confiança em seu coração, a paz de consciência, o zelo pela obediência filial, e a glória em Deus através de Cristo, mas que, todavia, se utilizam dos meios pelos quais Deus tem prometido operar estas coisas em nós: — tais pessoas não devem se alarmar com a menção da reprovação, nem contar a si mesmos entre os reprovados; ao contrário devem continuar diligentemente com o uso destes meios, desejando fervorosamente um tempo de graça mais abundante, e aguardando por ele em reverencia e humildade. Por outro lado, aqueles que desejam seriamente converter-se a Deus, que desejam estar agradando somente a ele, e se livrar do corpo da morte, mas que ainda não são capazes de fazer tal progresso pelo caminho da santidade e da fé como gostariam: — tais pessoas, muito menos, devem temer a doutrina da reprovação, já que nosso misericordioso Deus tem prometido que não irá apagar o pavio fumegante e que não irá quebrar a cana trilhada. Contudo, aqueles que têm-se esquecido de Deus e do seu Salvador Jesus Cristo e têm-se abandonado inteiramente aos cuidados do mundo e aos prazeres da carne: — tais pessoas têm todas as razões para permanecerem temendo esta doutrina, enquanto seriamente não se voltarem a Deus.
Tg.2:26; II Co.1:12; Rm.5:11; Fl.3:3; Rm.7:24; Is.42:3; Mt.12:20; Mt.13:22; Hb.12:29
Artigo 17: A Salvação dos Filhos dos Crentes
Desde que nós devemos fazer julgamentos sobre a vontade de Deus a partir da sua Palavra, a qual testifica que as crianças dos crentes são santas, não por natureza, mas pela virtude da graciosa aliança na qual elas juntamente com seus pais estão inseridas, os pais consagrados não devem duvidar da eleição e da salvação das suas crianças que Deus tenha chamado desta vida ainda na infância.
Gn.17:7; Is.59:21; At.2:39; I Co.7:14
Artigo 18: A Atitude Adequada com Relação à Eleição e à Reprovação
Àqueles que se queixam sobre a graça de uma eleição imerecida e sobre a severidade de uma justa reprovação, respondemos com as palavras do apóstolo: Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? (Rm.9:20), e com as palavras de nosso Salvador: Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? (Mt.20:15). Nós, contudo, com reverente veneração por estes mistérios, clamamos com o apóstolo: Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Rm.11:33-36).
Jó 34:34-37; Rm.9:20; Mt.20:15; Rm.11:33-36
Rejeição de Erros (I)
Pelos quais as Igrejas holandesas tem por algum tempo sido perturbadas.
Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa concernente à eleição e à reprovação, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:
I
Ensinam que a vontade de Deus de salvar aqueles que vierem a crer e a perseverar em fé e em obediência à fé é o inteiro e completo desígnio da eleição para salvação, e que nada mais concernente a este desígnio foi revelado pela Palavra de Deus.
Porque eles enganam os símplices e claramente contradizem a Sagrada Escritura em seu testemunho de que Deus não somente deseja salvar aqueles que crêem, mas que ele tem também desde a eternidade escolhido certas pessoas em particular às quais, ao contrário de outras, irá a tempo conceder fé em Cristo e perseverança. Como diz a Escritura: Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste (Jo.17:6). Do mesmo modo, creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48). Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos... (Ef.1:4).
II
Ensinam que a eleição de Deus para a vida eterna tem muitas formas: uma geral e indefinida, e outra particular e definida; e esta última, por sua vez, pode ser tanto incompleta, revogável, e não definitiva (ou condicional), como [pode ser] completa, irrevogável, e definitiva (ou absoluta). Também, daqueles que ensinam que há uma eleição para fé e outra para salvação, de modo que possa haver uma eleição para fé justificadora à parte de uma definitiva eleição para a salvação.
Porque isto é uma invenção do cérebro humano, imaginada à parte das Escrituras, e que distorce a doutrina concernente à eleição e rompe a corrente de ouro da nossa salvação: Aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Rm.8:30).
III
Ensinam que a boa vontade e o propósito de Deus, que as Escrituras mencionam em seus ensinos sobre a eleição, não implicam a escolha de Deus de certas pessoas em particular, e não de outras. Mas, que a escolha de Deus depende, dentre todas as possíveis condições (incluindo as obras da lei) e dentre todas as ordens de coisas, de um intrinsecamente indigno ato de fé, tanto quanto de uma imperfeita obediência à fé, como sendo as condições para a salvação; e isto inclui seu desejo gracioso de contar isto como perfeita obediência e olhar para isto como merecedor da recompensa da vida eterna.
Porque, por este erro pernicioso a boa vontade de Deus e o mérito de Cristo são roubados de sua eficácia e as pessoas são afastadas, por indagações sem proveito, da verdade da justificação imerecida e da simplicidade das Escrituras. Também mostram a mentira disto as palavras do apóstolo: [Deus nos] chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos; (II Tm.1:9).
IV
Ensinam que na eleição para fé um pré-requisito é que o homem deve corretamente usar a luz da natureza, sendo justo, modesto, humilde, e disposto para a vida eterna, como se a eleição de alguma forma dependesse destes fatores.
Porque isto tem indícios de Pelágio, e claramente traz à baila as palavras do apóstolo: Nós... antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie (Ef.2:3-9).
V
Ensinam que a eleição incompleta e não definitiva de pessoas em particular para a salvação ocorreu com base na presciência de fé, arrependimento, santidade, e piedade, que acabaram de se iniciar ou que tem continuado por algum tempo; e que a eleição completa e definitiva ocorreu com base na presciência da perseverança até o fim em fé, arrependimento, santidade e piedade. E que esta é a graça e o merecimento evangélico, pelo qual aquele que é escolhido é mais merecedor que aquele que não é escolhido. E, sendo assim, que a fé, a obediência à fé, a santidade, a piedade e a perseverança não são frutos ou efeitos de uma eleição imutável para a glória, mas condições indispensáveis e suas causas, as quais são pré-requisitos naqueles que serão escolhidos na eleição completa, e que eles são antevistos como as tendo alcançado.
Isto segue contrariamente a toda a Escritura, que do começo ao fim grava sobre nossos ouvidos e corações as seguintes palavras, entre outras: Eleição... não por causa das obras, mas por aquele que chama (Rm.9:11-12); creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48); [Deus] nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos (Ef.1:4); Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós (Jo.15:16); Mas se é por graça, já não é pelas obras (Rm.11:6); Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho (I Jo.4:10).
VI
Ensinam que nem toda eleição para a salvação é imutável, mas que alguns dos escolhidos podem perecer, e de fato perecem, eternamente, sem nenhum desígnio de Deus para prevenir [que isto aconteça].
Por este erro grosseiro eles fazem Deus ser inconstante, destroem o consolo dos piedosos no que concerne à firmeza da eleição, e contradizem as Sagradas Escrituras, que ensinam que o eleito não pode ser levado a extraviar-se
(Mt.24:24),
que Cristo não perde nenhum dos que lhe foram dados pelo Pai
(Jo.6:39),
e que aqueles a quem Deus predestinou, chamou e justificou, ele também glorifica
(Rm.8:30).
VII
Ensinam que nesta vida não há nenhum fruto, nenhuma consciência, e nenhuma segurança da imutável eleição, de alguém para a glória, exceto como dependente de condições sobre coisas que são mutáveis e contingenciais.
Porque não é somente absurdo falar de uma segurança incerta, mas estas coisas também militam contra a experiência dos santos, que com o apóstolo se regozijam da consciência de sua eleição e cantam louvores sobre este dom de Deus; os quais, como Cristo ressaltou: se alegram por seus nomes estarem escritos nos céus
(Lc.10:20);
e por fim sustentam, contra os dardos inflamados das tentações do diabo, a consciência de sua eleição, com a seguinte questão: Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? (Rm.8:33).
VIII
Ensinam que não é com base em sua justa vontade que Deus decide deixar alguém na queda de Adão e no estado comum de pecado e condenação, ou passar qualquer um pelo conceder de graça necessário para fé e conversão.
Porque estas palavras se posicionam contra o que segue: [Deus] compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer (Rm.9:18). E também: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado (Mt.13:11). Do mesmo modo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve (Mt.11:25-26).
IX
Ensinam que a razão porque Deus manda o evangelho a uma pessoa e não a outra, não é tão somente o bom propósito de Deus, mas antes é que uma pessoa é melhor ou mais merecedora que outra a quem o evangelho não é comunicado.
Porque Moisés contradiz isto quando se dirige ao povo de Israel como segue: Eis que os céus e os céus dos céus são do SENHOR teu Deus, a terra e tudo o que nela há. Tão-somente o SENHOR se agradou de teus pais para os amar; e a vós, descendência deles, escolheu, depois deles, de todos os povos como neste dia se vê (Dt.10:14-15). E também Cristo: Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza (Mt.11:21).
Segundo Ponto Principal de Doutrina
A Morte de Cristo e a Redenção Humana Através Dela
Artigo 1: A Punição Que a Justiça de Deus Requer
Deus não é somente supremamente misericordioso, mas é também supremamente justo. Sua justiça requer (como ele tem revelado de si mesmo na Palavra) que os pecados que cometemos contra sua infinita majestade sejam punidos com punições tanto temporais quanto eternas, da alma bem como do corpo. Nós não podemos escapar destas punições a menos que seja dada satisfação à justiça de Deus.
Ex.34:6-7; Rm.5:16; Gl.3:10
Artigo 2: A Satisfação Dada por Cristo
Entretanto, já que nós mesmos não podemos dar esta satisfação ou nos libertar da ira de Deus, Deus em sua infinita misericórdia nos deu como garantia o seu Filho unigênito, que foi feito pecado e maldição por nós, em nosso lugar, na cruz, de modo a poder dar satisfação por nós.
Jo.3:16; Rm.5:8; II Co.5:21; Gl.3:13
Artigo 3: O Infinito Valor da Morte de Cristo
A morte do Filho de Deus é sacrifício único e inteiramente completo, e satisfação pelos pecados; é de valor e merecimento infinitos, mais que suficiente para reconciliar os pecados de todo o mundo.
Hb.9:26,28; Hb.10:14; I Jo.2:2
Artigo 4: Razões para este Valor Infinito
Esta morte é de tal valor e merecimento por que a pessoa que a sofreu foi — como foi necessário que nosso Salvador fosse — não somente um homem verdadeiramente e perfeitamente santo, mas também o unigênito Filho de Deus, da mesma eterna e infinita essência com o Pai e o Espírito Santo. Outra razão é que sua morte foi acompanhada pela experiência da ira e da maldição de Deus, das quais nós, por nossos pecados, somos completamente merecedores.
Hb.4:15; Hb.7:26; I Jo.4:9; Mt.27:46
Artigo 5: A Ordem de Proclamar o Evangelho a Todos
Além disso, é promessa do evangelho que todo aquele que crer no Cristo crucificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta promessa, juntamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho.
Jo.3:16; I Co.1:23; Mt.28:19; At.2:38; At.16:31
Artigo 6: A Responsabilidade dos Homens Descrentes
Contudo, o fato de que muitos dos que têm sido chamados pelo evangelho não se arrependem ou crêem em Cristo, mas perecem em descrença, não significa que o sacrifício de Cristo oferecido na cruz seja deficiente ou insuficiente, mas sim que eles próprios estão em falta.
Mt.22:14; Sl.95:11; Hb.4:6
Artigo 7: Fé, Dom de Deus
Mas, todos os que genuinamente crêem e são libertos e salvos, pela morte de Cristo, dos seus pecados e da perdição, recebem este favor somente pela graça de Deus — que a ninguém é devida — dada a eles em Cristo desde a eternidade.
II Co.5:18; Ef.2:8-9
Artigo 8: A Eficácia Salvífica da Morte de Cristo
Porque este foi o plano soberano e o mui gracioso desejo e intenção de Deus o Pai: que a eficácia vivificante e salvífica da preciosa morte de seu Filho operasse em todos os escolhidos, de modo que pudesse conceder-lhes fé justificadora e por meio dela os guiasse infalivelmente à salvação. Em outras palavras, foi vontade de Deus que Cristo através do sangue na cruz (pelo qual ele confirmou a nova aliança) deveria efetivamente redimir de todos os povos, tribos, nações, e línguas todos aqueles, e somente aqueles, que foram escolhidos desde a eternidade para salvação e que foram dados a ele pelo Pai; que ele deveria conceder-lhes fé (a qual, como os outros dons salvíficos do Espírito Santo, ele adquiriu para eles por sua morte); que ele deveria limpá-los através do seu sangue de todos os seus pecados, tanto originais quanto presentes, quer cometidos antes quer depois de sua vinda à fé; que ele deveria preservá-los fielmente até o final; e que ele deveria finalmente apresentá-los a si mesmo, como povo glorioso, sem mácula nem ruga.
Jo.17:9; Ef.5:25-27; Lc.22:20; Hb.8:6; Ap.5:9; I Jo.1:7; Jo.10:28; Ef.5:27
Artigo 9: O Cumprimento do Plano de Deus
Este plano, procedendo do eterno amor de Deus por seus escolhidos, tem sido poderosamente executado desde o princípio do mundo até o presente tempo, e será também levado a cabo no futuro, [pois] os portões do inferno procuram em vão prevalecer contra ele. Como resultado os escolhidos são reunidos em um [único rebanho], cada um em seu próprio tempo, e há sempre uma igreja de crentes edificada sobre o sangue de Cristo, uma igreja que firmemente ama, persistentemente cultua, e — aqui e em toda a eternidade — o louva como seu Salvador, aquele deu sua vida por ela na cruz, como um noivo por sua noiva.
Mt.16:18; Jo.11:52; I Re.19:18; Ef.5:25
Rejeição de Erros (II)
Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:
I
Ensinam que Deus o Pai designou seu Filho para a morte na cruz, sem ter um plano estabelecido e definido para salvar determinadas pessoas. De modo que tanto a necessidade, quanto a utilidade, e o mérito que a morte de Cristo obteve, poderiam permanecer intactos e no todo perfeitos, completos e integrais, mesmo que a redenção que foi obtida nunca fosse de fato aplicada a algum indivíduo.
Porque esta afirmação é um insulto à sabedoria de Deus o Pai e ao mérito de Jesus Cristo, e é contrária à Escritura. Pois o Salvador fala como segue: Dou a minha vida pelas ovelhas, e eu conheço-as (Jo.10:15,27). E Isaías o profeta diz sobre o Salvador: Quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do SENHOR prosperará na sua mão (Is.53:10). Finalmente, isto mina o artigo do credo no qual nós confessamos o que cremos a respeito da Igreja.
II
Ensinam que o propósito da morte de Cristo não foi o de estabelecer, por um acontecimento real, a nova aliança da graça através do seu sangue, mas somente adquirir para o Pai o mero direito de entrar mais uma vez em aliança com os homens, quer por graça ou por obras [conforme a sua vontade].
Porque isto conflita com a Escritura, que ensina que Jesus foi feito fiador de uma melhor aliança, isto é, de um Novo Testamento
(Hb.7:22;
9:15),
e que um testamento [só] tem força onde houve morte (Hb.9:17).
III
Ensinam que Cristo, pela satisfação que deu [à justiça de Deus], não foi seguramente meritório da salvação propriamente dita de alguém, e da fé pela qual esta satisfação de Cristo é efetivamente aplicada para salvação. Mas que somente adquiriu para o Pai a autoridade ou a vontade plenária para se relacionar com os homens de um novo modo, e para impor novas condições escolhidas por ele, e que o cumprimento destas condições depende da livre vontade do homem; consequentemente tanto seria possível que todos as cumprissem como que ninguém [as cumprisse].
Porque eles têm uma opinião tão pequena sobre a morte de Cristo, de modo nenhum reconhecem o principal fruto ou benefício que ela traz, e chamam de volta do inferno o erro Pelagiano.
IV
Ensinam que o que implica a nova aliança da graça, a qual Deus o Pai fez com os homens através da mediação da morte de Cristo, não é que somos justificados diante de Deus e salvos através da fé, à medida que ela aceita o mérito de Cristo. Mas, ao contrário, que Deus tendo retirado sua demanda por perfeita obediência à lei, considera a própria fé, e a imperfeita obediência à fé, como perfeita obediência à lei, e graciosamente olha para isto como sendo merecedor da recompensa da vida eterna.
Porque eles contradizem a Escritura: Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus (Rm.3:24:25). E junto com o incrédulo Socinus, introduzem uma nova e estranha justificação do homem diante de Deus, contra o consenso de toda a igreja.
V
Ensinam que todas as pessoas têm sido recebidas em um estado de reconciliação e na graça da aliança, de modo que ninguém no que concerne ao pecado original está sujeito à condenação, ou deve ser condenado, mas que todos estão livres da culpa deste pecado.
Porque esta opinião conflita com a Escritura que afirma que nós somos por natureza filhos da ira.
VI
Fazem uso de uma distinção entre o obter e o aplicar de modo a instilar nos imprudentes e inexperientes a opinião de que Deus, tanto quanto lhe concerne, desejou conceder igualmente a todas as pessoas os benefícios que foram ganhos pela morte de Cristo; mas que a distinção pela qual uns, ao invés de outros, vêm a compartilhar do perdão dos pecados e da vida eterna, depende de sua própria livre vontade (que aplica a si mesma sobre a graça que é oferecida indistintamente), e que não depende do dom de misericórdia sem par que efetivamente opera neles, para que eles, ao invés dos outros, apliquem aquela graça a si mesmos.
Porque, enquanto buscam apresentar esta distinção com um sentido aceitável, estão [de fato] tentando dar às pessoas o veneno mortal do Pelagianismo.
VII
Ensinam que Cristo não poderia morrer, nem tinha que morrer, nem ainda morreu por aqueles que Deus tão carinhosamente amou e escolheu para a vida eterna. Uma vez que tais pessoas não precisariam da morte de Cristo.
Porque contradizem o apóstolo, que diz: [Cristo] me amou, e se entregou a si mesmo por mim (Gl.2:20), e do mesmo modo: Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu [por eles] (Rm.8:33-34). Eles também contradizem o Salvador, que afirma: dou a minha vida pelas ovelhas (Jo.10:15), O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos (Jo.15:12-13).
Terceiro e Quarto Pontos Principais de Doutrina
A Corrupção Humana, a Conversão a Deus, e o Modo como Ocorre
Artigo 1: O Efeito da Queda na Natureza Humana
O homem originalmente foi criado à imagem de Deus e foi provido em sua mente com o verdadeiro e salutar conhecimento de seu Criador e das coisas espirituais, em sua vontade e coração com justiça, e em todas as suas emoções com pureza; de fato, todo o homem era santo. Contudo, rebelando-se contra Deus, pela instigação do Diabo, e por sua própria livre vontade, ele despojou a si mesmo destes destacados dons. Mais propriamente, em seu lugar trouxe sobre si mesmo cegueira, terrível escuridão, futilidades, e distorção de julgamento em sua mente; perversidade, rebeldia, e dureza em seu coração e em sua vontade; e finalmente impureza em todas as suas emoções.
Gn.1:26-27; Gn.3:1-7; Ef.4:17-19
Artigo 2: O Espalhar da Corrupção
O homem após a queda produziu filhos com a mesma natureza que a sua. O que quer dizer que, sendo corrupto produziu filhos corrompidos. A corrupção se espalhou, pelo justo julgamento de Deus, de Adão a todos os seus descendentes — excetuando somente a Cristo — não por meio de imitação (como em tempos anteriores entenderam os Pelagianos), mas por meio da propagação de sua natureza pervertida.
Jó 14:4; Sl.51:7; Rm.5:12; Hb.4:15
Artigo 3: Completa Inaptidão
Conseqüentemente, todas as pessoas são concebidas em pecado e nascem como filhas da ira, inadequadas para efetuar qualquer ação salvadora, inclinadas ao mal, mortas em pecados, e escravas do pecado; sem a graça do regenerador Espírito Santo elas não estão nem dispostas, nem são capazes de retornar a Deus, de transformar sua natureza distorcida, ou mesmo de preparar a si mesmas para tal transformação.
Ef.2:1,3; Jo.8:34; Rm.6:16-17; Jo.3:3-6; Tt.3:5
Artigo 4: A insuficiência da Luz da Natureza
Há, é verdade, certa luz de natureza ainda restante no homem depois da queda, e pela virtude dela ele retém algumas noções sobre Deus, sobre as coisas naturais, entende a diferença entre o que é moral e o que é imoral, e demonstra certa ânsia por virtude e por um bom comportamento exterior. Mas esta luz de natureza está longe de habilitar o homem a alcançar um conhecimento salvífico de Deus e a uma conversão a ele — tão longe, em verdade, que o homem não a usa corretamente nem mesmo em questões da natureza e da sociedade. Ao invés disto, de várias maneiras ele distorce completamente esta luz, tudo quanto é o seu preciso caráter, e a suprime em injustiça. E assim fazendo apresenta-se indesculpável diante de Deus.
Rm.1:18-20; At.2:14-15
Artigo 5: A Inadequação da Lei
A este respeito, o que é verdade para a luz da natureza é também verdade para os Dez Mandamentos que foram dados por Deus através de Moisés especificamente aos Judeus. Uma vez que o homem não pode obter graça salvadora através do Decálogo, porque, apesar dele expor a magnitude do seu pecado e progressivamente o convencer da sua culpa, no entanto, não oferece um remédio ou o habilita a escapar de sua miséria, e, em verdade, enfraquecido como está pela carne, deixa o ofensor sob a maldição.
Rm.3:19-20; Rm.7:10-13; Rm.8:3; II Co.3:6-7
Artigo 6: O Poder Salvífico do Evangelho
O que, entretanto, nem a luz da natureza nem a lei podem fazer, Deus realiza pelo poder do Espírito Santo, através da Palavra, ou seja, do ministério de reconciliação. Este é o evangelho do Messias, através do qual Deus se agradou em salvar os crentes, tanto no Velho quanto no Novo Testamento.
II Co.5:18-19; I Co.1:21
Artigo 7: A Soberania de Deus em Revelar o Evangelho
No Antigo Testamento, Deus revelou este mistério da sua vontade a um pequeno número [de pessoas]; no Novo Testamento (agora sem qualquer distinção entre pessoas) ele o revela a um grande número [de pessoas]. A razão para esta diferença não deve ser atribuída ao maior merecimento de uma nação sobre outra, ou a um melhor uso da luz da natureza, mas ao soberano bom propósito e ao imerecido amor de Deus. Conseqüentemente, aqueles que recebem tamanha graça, além e apesar de tudo que merecem, devem reconhecê-la com humildade e com corações gratos; e por outro lado, com o apóstolo devem respeitar (e certamente não em uma busca inquisitiva) a severidade e a justiça do julgamento de Deus sobre os outros, que não receberam esta graça.
Ef.1:9; Ef.2:14; Cl.3:11; Rm.2:11; Mt.11:25-26; Rm.11:22-23; Ap.16:7; Dt.29:29
Artigo 8: O Sério Chamado do Evangelho
Não obstante, todos os que são chamados através do evangelho são chamados seriamente. Porque seriamente e muito genuinamente Deus faz conhecida na sua Palavra o que lhe agrada: que aqueles que são chamados venham a ele. Seriamente ele também promete descanso para as suas almas e vida eterna a todos os que vêm a ele e crêem.
Is.55:1; Mt.22:4; Ap.22:17; Jo.6:37; Mt.11:28-29; Fl.1:29
Artigo 9: A Responsabilidade Humana por Rejeitar o Evangelho
O fato de que muitos dos que são chamados através do ministério do evangelho não vêm e não são trazidos à conversão não deve ser atribuído ao evangelho, nem a Cristo, que é oferecido através do evangelho, nem a Deus, o qual os chama através do evangelho e até mesmo lhes confere vários dons, mas às próprias pessoas que são chamadas. Alguns em autoconfiança nem mesmo acolhem a Palavra da vida; outros a acolhem, mas não a colocam no coração, e por esta razão, após a alegria transitória de uma fé temporária, eles recaem; outros sufocam a semente da Palavra com os espinheiros dos cuidados da vida e com os prazeres do mundo e não produzem frutos. Isto nosso Salvador ensina na parábola do semeador
(Mt.13).
Mt.11:20-24; Mt.13:1-23; Mt.22:1-14; Mt.23:3
Artigo 10: A Conversão Como um Trabalho de Deus
O fato de que outros dos que são chamados através do ministério do evangelho vêm e são trazidos à conversão não deve ser creditado ao homem, como se alguém, por sua livre escolha, distinguisse a si mesmo dos outros que são favorecidos com igual ou suficiente graça para fé e conversão (como a orgulhosa heresia de Pelágio sustenta). Não, isto deve ser creditado a Deus: exatamente como da eternidade escolheu os seus em Cristo, assim no tempo efetivamente os chama, lhes concede fé e arrependimento, e, tendo-os resgatado do domínio das trevas, os traz para o reino de seu Filho; de modo que eles possam declarar os maravilhosos feitos daquele que os chamou das trevas para esta maravilhosa luz, e possam gloriar-se, não em si mesmos, mas no Senhor, como as palavras apostólicas frequentemente testificam nas Escrituras.
Rm.9:16; Cl.1:13; Gl.1:4; I Pe.2:9; I Co.1:31; II Co.10:17; Ef.2:8-9
Artigo 11: A Obra do Espírito Santo na Conversão
Além disso, quando Deus executa seu bom propósito em seus escolhidos, ou seja, quando opera a verdadeira conversão neles, não só cuida para que o evangelho lhes seja proclamado e que as suas mentes sejam poderosamente iluminadas pelo Espírito Santo de modo a que possam corretamente entender e discernir as coisas do Espírito de Deus, mas, pela efetiva operação do mesmo Espírito regenerador, ele também penetra no mais íntimo do ser humano, abre o coração fechado, amolece o coração duro e circuncida o coração que é incircunciso. Ele infunde novas qualidades na vontade, fazendo da vontade morta, viva, do maldoso, bom, do relutante, disposto, e do obstinado, submisso; ele ativa e fortalece a vontade para que, como uma boa árvore, possa ser capaz de produzir os frutos de boas obras.
Hb.6:4-5; I Co.2:10-14; Hb.4:12; At.16:14; Dt.30:6; Ez.11:19; Ez.36:26; Mt.7:18
Artigo 12: Regeneração, uma Obra Sobrenatural
E esta é a regeneração, a nova criação, a ressurreição dos mortos, e a vivificação, tão claramente proclamadas nas Escrituras, as quais Deus opera em nós sem nossa ajuda. Mas, isto certamente não acontece somente por ensino material, por persuasão moral, ou de tal maneira que após Deus ter feito sua obra, continua em poder do homem [a capacidade de decidir] se ele vai ou não ser renascido ou convertido. Ao contrário, é uma obra inteiramente sobrenatural, obra que é ao mesmo tempo poderosíssima e agradabilíssima, uma maravilha, misteriosa, e indescritível, que não é menor ou inferior em poder àquela da criação ou da ressurreição dos mortos, como a Escritura (inspirada pelo autor desta obra) ensina. Como resultado, todos aqueles em cujos corações Deus opera deste modo admirável são certamente, infalivelmente, e efetivamente renascidos e verdadeiramente crêem. E então a [sua] vontade, agora renovada, não é somente ativada e motivada por Deus, mas ao ser ativada por Deus torna-se ativa em si mesma. Por esta razão, o próprio homem, através desta graça que recebeu, também diz corretamente que creu e se arrependeu.
Jo.3:3; II Co.4:1-6; II Co.5:17; Ef.5:14; Jo.5:25; Rm.4:17; Fl.2:13
Artigo 13: O Incompreensível Mecanismo da Regeneração
Nesta vida os crentes não podem entender completamente o mecanismo pelo qual esta obra ocorre; entretanto, eles ficam satisfeitos em saber e experimentar que por esta graça de Deus eles creram em seu Salvador com o coração e com amor.
Jo.3:8; Rm.10:9
Artigo 14: O Modo como Deus Dá Fé
Deste modo, portanto, fé é um dom de Deus, não no sentido de que é oferecida por Deus para que o homem a escolha, mas que é de fato aplicada ao homem, inspirada e infundida nele. Nem é um dom no sentido de que Deus confere somente o potencial para crer, e então espera assentimento — o ato de crer — de acordo com a escolha do homem; ao contrário, é um dom no sentido de que aquele que opera tanto o querer quanto o efetuar, e em verdade opera todas as coisas em todas as pessoas, produz no homem tanto o querer crer quanto o próprio [ato de] crer.
Ef.2:8; Fl.2:13
Artigo 15: Respostas à Graça de Deus
Esta graça Deus não deve a ninguém. Pois o que Deus poderia dever a alguém que não tem nada para dar que possa ser devolvido? Em verdade, o que Deus poderia dever a alguém que não tem nada de seu além de pecado e falsidade? Por esta razão a pessoa que recebe a graça deve e [de fato] rende eterna gratidão somente a Deus; a pessoa que não a recebe, ou de todo não liga para estas coisas espirituais e está satisfeita consigo mesma nesta condição, ou então em autoconfiança exulta tolamente de que é pouco o que lhe falta. Além disso, seguindo o exemplo dos apóstolos, nós devemos pensar e falar do modo mais favorável sobre aqueles que externamente professam sua fé e melhoram suas vidas, porque a câmara interior do coração nos é desconhecida. Mas, pelos outros, que ainda não foram chamados, nós devemos orar a Deus que chama coisas que não existem à existência. Todavia, de modo algum, devemos nos assoberbar como se fossemos melhores que eles, como se nós tivéssemos distinguido a nós mesmos deles.
Rm.11:35; Am.6:1; Jr.7:4; Rm.14:10; Rm.4:17; I Co.4:7
Artigo 16: Efeito da Regeneração
Porém, tal como pela queda o homem não deixou de ser homem, dotado de intelecto e vontade, e tal como o pecado, que foi propagado a toda a raça humana, não aboliu a natureza da raça humana, mas a distorceu e a matou espiritualmente, assim também esta graça divina da regeneração não age nas pessoas como se elas fossem tijolo e cimento; nem anula a vontade e suas propriedades ou coage uma vontade relutante pela força, mas revive espiritualmente, cura, reforma, e — de uma forma ao mesmo tempo prazerosa e poderosa — a converte. Como resultado, uma obediência pronta e sincera ao Espírito agora começa a prevalecer onde antes a rebelião e a resistência da carne foram completamente dominantes. É nisto que a verdade e a restauração espiritual e a liberdade da nossa vontade consistem. Desta forma, se o maravilhoso Criador de todas as boas coisas não estivesse lidando conosco, o homem não teria esperança de se levantar de sua queda por sua própria livre escolha, através da qual ele mergulhou a si mesmo em ruína, quando ainda estava em pé.
Rm.8:2; Ef.2:1; Sl.51:12; Fl.2:13
Artigo 17: O Uso de Deus dos Mecanismos de Regeneração
Tal como a poderosa obra de Deus pela qual ele faz brotar e sustenta nossa vida natural, não exclui, mas requer o uso de meios pelos quais Deus, de acordo com sua infinita sabedoria e bondade, tem exercitado seu poder, assim também a obra de Deus citada anteriormente, pela qual ele nos restaura, de modo algum exclui ou cancela [a necessidade] do uso do Evangelho, o qual Deus em sua grande sabedoria designou para ser a semente da regeneração e o alimento da alma.
Por esta razão, os apóstolos e os professores que piedosamente os seguiram ensinavam ao povo sobre esta graça de Deus, para dar glória a ele e para humilhar todo o orgulho humano; não negligenciando, neste meio tempo, o manter o povo através das santas admoestações do evangelho, sob a ministração da Palavra, das coisas sagradas, e da disciplina. Assim, mesmo hoje, está fora de questão que os professores ou os que são ensinados na igreja conjeturarem testar Deus separando o que ele, em seu bom propósito, deseja que esteja estritamente unido. Porque a graça é concedida através das admoestações, e quanto mais prontamente nós fizermos nosso dever, usualmente, tanto mais resplandecerão em nós os benefícios da obra de Deus e melhor sua obra [em nós] avançará. A ele somente, tanto pelos meios quanto por seus frutos salvíficos e [por sua] efetividade, toda a glória seja devida eternamente. Amém.
Is.55:10-11; I Co.1:21; Tg.1:18; I Pe.1:23,25; I Pe.2:2; At.2:42; II Co.5:11-21; II Tm.4:2; Rm.10:14-17; Jd.24-25
Rejeição de Erros (III/IV)
Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:
I
Ensinam que, propriamente falando, não pode ser dito que o pecado original em si é o bastante para condenar toda a raça humana ou para garantir punição temporal e eterna.
Porque eles contradizem o apóstolo quando diz: Como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram (Rm.5:12); também: Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação (Rm.5:16); igualmente: O salário do pecado é a morte (Rm.6:23).
II
Ensinam que os dons espirituais ou as boas inclinações e virtudes, tais como a bondade, a santidade, e a justiça podem não ter residido na vontade do homem quando ele foi primeiramente criado e, portanto, não poderiam ter sido separadas da [sua] vontade na queda.
Porque isto entra em conflito com a descrição do apóstolo da imagem de Deus em
Efésios 4:24,
onde ele retrata a imagem em termos de justiça e santidade, as quais definitivamente residem na vontade.
III
Ensinam que na morte espiritual os dons espirituais não foram separados da vontade do homem, uma vez que a vontade em si nunca teria sido corrompida, mas somente impedida pelas trevas da mente e pelo desgoverno das emoções. E como a vontade seria capaz de exercitar sua capacidade inata livremente desde que estes impedimentos fossem removidos. O que quer dizer, que ela seria capaz, por si mesma, de desejar ou escolher o que de bom é colocado diante dela — ou ainda de não desejá-lo ou escolhê-lo.
Esta é uma nova idéia e um erro e tem o efeito de ao elevar o poder da livre escolha, contrariar as palavras de Jeremias o profeta: Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso (Jr.17:9); e as palavras do apóstolo: Entre os quais (os filhos da desobediência) todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos (Ef.2:3).
IV
Ensinam que o homem não regenerado não está estritamente ou totalmente morto em seus pecados e [não] está privado de toda a capacidade para fazer o bem espiritual, mas é capaz de sentir fome e sede de justiça ou de vida, e de oferecer o sacrifício de um espírito quebrantado e contrito, o qual é agradável a Deus.
Porque estes pontos de vista são opostos ao claro testemunho das Escrituras: Estando vós mortos em ofensas e pecados (Ef.2:1, 5); A imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente (Gn.6:5; 8:21). Além disto, ter fome e sede por libertação da miséria e por vida, e o oferecer a Deus em sacrifício um espírito quebrantado são características somente dos regenerados e daqueles chamados bem-aventurados
(Sl.51:17;
Mt.5:6).
V
Ensinam que o homem natural e corrompido pode fazer um tão bom uso da graça comum (pelo que eles querem dizer a luz da natureza) ou dos dons restantes após sua queda que é capaz por meio disto de gradualmente obter uma graça maior — a graça evangélica ou salvífica — bem como a própria salvação; e que deste modo Deus, de sua parte, se mostra pronto a revelar Cristo a todas as pessoas, uma vez que ele provê para todos, em quantidade suficiente e de modo efetivo, os meios necessários para a revelação de Cristo, por fé, e por arrependimento.
Porque a Escritura, para não mencionar a experiência de todas as épocas, testifica que isto é falso: [Deus] mostra a sua palavra a Jacó, os seus estatutos e os seus juízos a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; e quanto aos seus juízos, não os conhecem (Sl.147:19-20); O qual nos tempos passados deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos (At.14:16); [Paulo e seus companheiros] foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia. E, quando chegaram a Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho permitiu (At.16:6-7).
VI
Ensinam que na verdadeira conversão do homem novas qualidades, inclinações, ou dons não podem ser infundidos ou derramados sobre a sua vontade por Deus. E, em verdade, a fé, ou o crer, pelo qual nós primeiro viemos à conversão e pelo qual recebemos o nome de "crentes" não é uma qualidade ou dom dado por Deus, mas somente um ato humano, e que não pode ser chamado de dom exceto no que diz respeito ao poder de alcançar fé.
Porque estes pontos de vista contradizem as Sagradas Escrituras, as quais testificam que Deus infunde ou derrama nos nossos corações as novas qualidades de fé, obediência, e a experiência do seu amor: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração (Jr.31:33); derramarei água sobre o sedento, e rios sobre a terra seca; derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade (Is.44:3); o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm.5:5). Eles também entram em conflito com a contínua prática da Igreja, que ora com o profeta: converte-me, e converter-me-ei, porque tu és o SENHOR meu Deus (Jr.31:18).
VII
Ensinam que a graça pela qual somos convertidos a Deus não é nada mais do que uma gentil persuasão, ou (como outros a explicam) a forma de Deus agir na conversão do homem, a qual é a mais nobre e apropriada à natureza humana, é aquela que acontece através da persuasão, e nada impede que esta graça de convencimento moral possa, por si só, tornar os homens espirituais; em verdade, Deus não produz o consentimento da vontade exceto através de convencimento moral, e que a eficácia da obra de Deus através qual ele sobrepuja a obra de Satanás consiste em que Deus promete benefícios eternos enquanto Satanás promete benefícios temporais.
Porque este ensino é inteiramente Pelagiano, e contrário a toda a Escritura, que reconhece além da persuasão também outro meio, muito mais efetivo e divino pelo qual o Espírito Santo age na conversão do homem. Como Ezequiel 36:26 coloca: Dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne...
VIII
Ensinam que Deus ao regenerar o homem não ostenta aquele poder de sua onipotência com o qual ele pode poderosa e infalivelmente dobrar a vontade humana para a fé e a conversão. E que mesmo quando Deus já efetuou todas as operações da graça que ele usa para a conversão do homem, não obstante o homem pode assim resistir a Deus e ao Espírito em seu intento e vontade de regenerá-lo (e de fato frequentemente o faz), de modo que o homem completamente frustra seu próprio renascimento; e, de fato, permanece em seu próprio poder se será ou não regenerado.
Porque isto anula todo o efetivo funcionamento da graça de Deus em nossa conversão e sujeita a atividade do Deus Todo-Poderoso à vontade do homem; é contrário aos apóstolos, que ensinam que nós cremos pela virtude da efetiva ação da força do poder de Deus
(Ef.1:19),
e que Deus executa o imerecido bom propósito de sua bondade e a obra da fé em nós com poder
(II Ts.1:11),
e do mesmo modo que seu divino poder tem nos dado tudo que precisamos para vida e piedade
(II Pe.1:3).
IX
Ensinam que a graça e a livre escolha são causas parciais simultâneas que cooperam para iniciar a conversão, e que a graça não precede — na ordem de causa e efeito — a efetiva influência da vontade; o que quer dizer, que Deus não ajuda efetivamente a vontade do homem a vir à conversão, antes a própria vontade do homem motiva e determina a si mesma.
Porque a igreja primitiva já condenou esta doutrina há muito tempo com os Pelagianos, com base nas palavras do apóstolo: Isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece (Rm.9:16); também: Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? (I Co.4:7); igualmente: Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade (Fl.2:13).
Quinto Ponto Principal de Doutrina
A Perseverança dos Santos
Artigo 1: O Regenerado Não Inteiramente Livre do Pecado
Aquelas pessoas a quem Deus de acordo com o seu propósito chama à comunhão com seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor e regenera pelo Espírito Santo, ele também liberta do reino e da escravidão do pecado, ainda que nesta vida não inteiramente da carne e do corpo do pecado.
Jo.8:34; Rm.6:17; Rm.7:21-24
Artigo 2: A Reação do Crente aos Pecados de Fraqueza
Por isso, surgem pecados diários de fraqueza, e manchas se agarram até mesmo às melhores obras do povo de Deus, dando-lhes contínua razão para se humilharem diante de Deus, para correndo buscar refúgio no Cristo crucificado, para mortificar a carne mais e mais pelo Espírito em súplica e pelos santos exercícios da piedade, e para esforçar-se em direção ao objetivo da perfeição, até que sejam libertos deste corpo mortal e reinem com o Cordeiro de Deus no céu.
I Jo.1:8; Cl.3:5; I Tm.4:7; Fl.3:12,14; Ap.5:6,10
Artigo 3: A Preservação de Deus dos Convertidos
Por causa destes remanescentes de pecado habitando neles e também por causa das tentações do mundo e de Satanás, aqueles que foram convertidos não podem permanecer em pé nesta graça se deixados [por conta de] seus próprios recursos. Mas, Deus é fiel, misericordiosamente fortalecendo-os na graça que uma vez lhes foi conferida e poderosamente preservando-os nela até o fim.
Rm.7:20; I Co.10:13; I Pe.1:5
Artigo 4: O Perigo dos Verdadeiros Crentes Caírem em Sérios Pecados
Apesar do poder de Deus que fortalece e preserva os verdadeiros crentes em graça ser superior à carne, ainda assim os convertidos não estão sempre tão ativos e motivados por Deus que não possam, em certas ações específicas, e por seu próprio erro em lidar com a graça, ser desencaminhados pelos desejos da carne, e [acabem sendo] levados a eles. Por esta razão devem constantemente vigiar e orar para que possam não ser levados em tentações. Quando falham em assim fazer, não somente podem ser levados pela carne, pelo mundo, e por Satanás aos pecados, mesmo os mais sérios e ultrajantes, mas também pela justa permissão de Deus eles algumas vezes são assim levados — verifique os tristes casos descritos nas Escrituras de Davi, Pedro, e outros santos que caíram em pecados.
Ef.1:19; Mt.26:41; I Ts.5:6,17; II Sm.11
Artigo 5: Os Efeitos de Tais Sérios Pecados
Por tais monstruosos pecados, contudo, eles grandemente ofendem a Deus, fazem por merecer uma sentença de morte, entristecem o Espírito Santo, suspendem o exercício da fé, ferem severamente a consciência, e algumas vezes perdem a consciência da graça por um tempo — até que, após terem retornado ao caminho por genuíno arrependimento, a paterna face de Deus novamente brilhe sobre eles.
II Sm.12; Ef.4:30; Sl.32:3-5; Nm.6:25
Artigo 6: A Intervenção Salvífica de Deus
Porque Deus, que é rico em misericórdia, de acordo com seu imutável propósito da eleição, não retira completamente seu Espírito Santo dos [que são] seus, mesmo quando eles dolorosamente caem. Nem os deixa cair tão fundo que venham a perder a graça da adoção e o estado de justificação, ou cometam o pecado que conduz à morte (o pecado contra o Espírito Santo), e mergulhem a si mesmos, inteiramente abandonados por ele, em eterna ruína.
Ef.1:11; Ef.2:4; Sl.51:13; Gl.4:5; I Jo.5:16-18; Mt.12:31,32
Artigo 7: Renovação para Arrependimento
Porque, em primeiro lugar, Deus preserva naqueles santos quando caem sua semente imortal, pela qual foram renascidos, a fim de que não pereçam ou sejam desalojados. Em segundo lugar, pela sua Palavra e Espírito ele certa e efetivamente os renova para arrependimento, de modo que eles tenham um sincero e devoto arrependimento pelos pecados que têm cometido; que busquem e obtenham, através da fé e com um coração contrito, perdão no sangue do Mediador; que experimentem novamente a graça de um Deus reconciliador; que através da fé adorem suas misericórdias; e que daí em diante com muito zelo exercitem sua própria salvação em temor e tremor.
I Pe.1:23; I Jo.3:9; II Co.7:10; Sl.32:5; Sl.51:19; Fl.2:12
Artigo 8: A Certeza Desta Preservação
Assim não é por seus próprios méritos ou força, mas pela imerecida misericórdia de Deus que eles não perdem totalmente a fé e a graça, nem permanecem em sua queda até o fim e se percam. Se dependesse deles isto não só poderia facilmente acontecer, como indubitavelmente aconteceria; mas como depende de Deus não há possibilidade disto acontecer, uma vez que seu plano não pode ser alterado, sua promessa não pode falhar, a chamada de acordo com seu propósito não pode ser revogada, o mérito de Cristo assim como sua intercessão e preservação não podem ser anulados, e o selo do Espírito Santo não pode nem ser invalidado nem apagado.
Sl.33:11; Hb.6:17; Rm.8:30,34; Rm.9:11; Lc.22:32; Ef.1:13
Artigo 9: A Garantia Desta Preservação
Acerca da preservação daqueles escolhidos para salvação e acerca da perseverança dos verdadeiros crentes na fé, os próprios crentes podem estar (e de fato se tornam) seguros de acordo com a medida da sua fé, pela qual eles firmemente crêem que são e que sempre permanecerão [sendo] membros verdadeiros e vivos da igreja, e que têm o perdão dos pecados e a vida eterna.
Rm.8:31-39; II Tm.4:8,18
Artigo 10: A Base Desta Garantia
Concordemente, esta garantia não deriva de alguma revelação particular, além ou fora da Palavra, mas, da fé nas promessas de Deus as quais ele mui abundantemente revelou em sua Palavra para nossa consolação, e do testemunho do Espírito Santo que testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus e seus herdeiros
(Rm.8:16-17),
e finalmente, de uma sincera e santa busca de uma consciência clara e de boas obras. E se os escolhidos de Deus neste mundo não tivessem este justo consolo de que a vitória será sua, e esta confiável garantia de glória eterna, seriam dentre todas as pessoas as mais miseráveis.
Rm.8:16-17, I Jo.3:1-2; At.24:16; Rm.8:37; I Co.15:19
Artigo 11: Dúvidas Acerca Desta Garantia
Entretanto, a Escritura testifica que os crentes têm que contender nesta vida com várias dúvidas da carne, e que sob severa tentação eles nem sempre experimentam esta total garantia de fé e certeza de perseverança. Mas Deus, o Pai de toda consolação, não os deixa serem tentados além do que podem suportar, mas com a tentação ele também provê o escape
(I Co.10:13),
e pelo Espírito Santo revive neles a garantida de sua perseverança.
II Co.1:3; I Co.10:13
Artigo 12: Esta Garantia Como um Incentivo à Santidade
Esta garantia de perseverança, contudo, longe de fazer os verdadeiros crentes [se tornarem] orgulhosos e carnalmente seguros de si, é ao invés a verdadeira raiz da humildade, do respeito filial, da genuína piedade, da paciência em todas as lutas, das orações fervorosas, da firmeza no carregar da cruz e no confessar a verdade, e da justa alegria em Deus.
Rm.12:1; Sl.56:12-13; Sl.116:12; Tt.2:11-14; I Jo.3:3
Artigo 13: Esta Garantia Não Induz à Negligência
Nem a renovada confiança na perseverança produz imoralidade, nem [produz] falta de interesse pela piedade naqueles que foram postos de pé após a queda [de Adão], mas produz um muito maior interesse por observar cuidadosamente os caminhos do Senhor, os quais ele antecipadamente preparou. Eles observam estes caminhos de modo que ao caminhar por eles possam manter a certeza da sua perseverança, a fim de que por seu abuso da bondade paternal [de Deus], a face do gracioso Deus não torne novamente para longe deles, resultando em sua queda em uma grande angústia de espírito (porque a divindade contemplada em sua face é mais doce que a vida, mas sua retirada é mais amarga que a morte).
II Co.7:10; Ef.2:10; Sl.63:4; Is.64:7; Jr.33:5
Artigo 14: O Uso de Deus de Meios na Perseverança
E, exatamente como agradou a Deus iniciar esta obra de graça em nós pela proclamação do Evangelho, assim também ele preserva, continua e completa sua obra pelo ouvir e ler o Evangelho, por meditar nele, por suas exortações, desafios e promessas, e também pelo uso dos sacramentos.
Dt.6:20-25; II Tm.3:16-17; At.2:42
Artigo 15: Reações Contrastantes Quanto à Doutrina da Perseverança
Esta doutrina sobre a perseverança dos verdadeiros crentes e santos, e sobre sua garantia dela — uma doutrina que Deus tem ricamente revelado em sua Palavra para a glória do seu nome e para o consolo dos santos e que ele imprime nos corações dos crentes — é algo que a carne não entende, que Satanás odeia, que o mundo ridiculariza, que o ignorante e o hipócrita fazem mau uso, e que o espírito de erro ataca. A noiva de Cristo, por outro lado, tem sempre amado mui ternamente esta doutrina e a [tem] defendido firmemente como um tesouro inestimável; e Deus, contra quem nenhum plano pode ter eficácia e nenhuma força pode prevalecer, irá assegurar que ela continue assim fazendo. Ao único Deus, Pai, Filho, e Espírito Santo seja a honra e a glória para sempre. Amém.
Ap.14:12; Ef.5:32; Sl.33:10-11; I Pe.5:10-11
Rejeição de Erros (V)
Concernentes à Doutrina da Perseverança dos Santos
Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:
I
Ensinam que a perseverança dos verdadeiros crentes não é um efeito da eleição ou um dom de Deus produzido pela morte de Cristo, mas uma condição da nova aliança a qual o homem, antes do que eles chamam eleição e justificação "final", deve cumprir por sua livre vontade.
Porque as Sagradas Escrituras testificam que a perseverança que segue a eleição é concedida aos escolhidos pela virtude da morte de Cristo, sua ressurreição, e intercessão: os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos (Rm.11:7); igualmente: Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? (Rm.8:32-35).
II
Ensinam que Deus provê o crente com força suficiente para perseverar e está pronto a preservar esta força nele se ele fizer seu dever, mas mesmo com todas estas coisas que são necessárias para perseverar em fé em ação, as quais Deus se agrada em usar para preservar a fé, ainda assim sempre depende da escolha da vontade do homem se vai ou não perseverar.
Porque esta forma de ver é obviamente Pelagiana; e ainda que pretenda fazer os homens livres, ela [na verdade] os faz injuriosos. Ela está contra o contínuo consenso da doutrina evangélica que tira do homem toda razão de orgulho e destina o louvor por este benefício somente à graça de Deus. É também contrária ao testemunho do apóstolo: [Deus] vos confirmará também até ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo (I Co.1:8).
III
Ensinam que aqueles que verdadeiramente crêem e foram renascidos não somente podem perder a fé justificadora [bem como,] total e definitivamente a graça e a salvação, mas que também, e com freqüência, de fato as perdem e estão perdidos para sempre.
Porque esta opinião anula a própria graça da justificação e regeneração bem como a contínua preservação por Cristo, e contraria as claras palavras do apóstolo Paulo: [Se] Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira (Rm.5:8-9); e contraria o apóstolo João: Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus (I Jo.3:9); também contraria as palavras de Jesus Cristo: Dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai (Jo.10:28-29).
IV
Ensinam que aqueles que verdadeiramente crêem e foram renascidos podem cometer o pecado que conduz à morte (o pecado contra o Espírito Santo).
Porque o mesmo apóstolo João, após fazer menção àqueles que cometem o pecado que conduz à morte e proibir oração por eles
(I Jo.5:16-17),
imediatamente completa: Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca (v.18).
V
Ensinam que à parte de uma revelação especial ninguém pode ter certeza de futura perseverança em sua vida.
Porque por este ensino a firme consolação dos verdadeiros crentes lhes é tirada e a incerteza dos Romanistas é reintroduzida na igreja. As Sagradas Escrituras, contudo, em muitos lugares derivam a segurança não de uma revelação especial e extraordinária, mas da marca característica dos filhos de Deus e das completamente confiáveis promessas de Deus. Assim [diz] especialmente o apóstolo Paulo: [nenhuma] criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm.8:39); e João: E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E nisto conhecemos que ele está em nós, pelo Espírito que nos tem dado (I Jo.3:24).
VI
Ensinam que a doutrina da certeza da perseverança e da salvação é por sua própria natureza e caráter um narcótico para a carne e é danoso à piedade, boa moral, oração, e outros santos exercícios, mas que, ao contrário, ter dúvida sobre isto é louvável.
Porque estas pessoas mostram que não conhecem a efetiva operação da graça de Deus e a obra Espírito Santo residente, e contradizem o apóstolo João, que afirma o oposto em palavras claras: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro (I Jo.3:2-3). Além disso, eles são refutados pelo exemplo de santos, tanto do Velho quanto do Novo Testamento, os quais apesar de estarem certos de sua perseverança e salvação ainda se mantinham constantemente em oração e em outros exercícios de piedade.
VII
Ensinam que a fé daqueles que crêem somente temporariamente não difere da fé justificadora e salvífica exceto somente pela duração.
Porque o próprio Cristo em
Mateus 13:20ss
e em
Lucas 8:13ss
claramente define as seguintes diferenças entre os crentes temporários e verdadeiros: ele diz que os primeiros recebem a semente em terreno pedregoso, e que os últimos a recebem em bom terreno, ou em bom coração; os primeiros não tem raiz, e os últimos estão firmemente enraizados; os primeiros não dão fruto, e os últimos produzem frutos em quantidades variadas, com constância, ou [seja,] com perseverança.
VIII
Ensinam que não é absurdo que uma pessoa, após perder a sua primeira regeneração, possa mais uma vez (em verdade com muita freqüência o faz) ser renascida.
Porque, por este ensino eles negam a imortal natureza da semente de Deus pela qual fomos renascidos, contrariando o testemunho do apóstolo Pedro: De novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível (I Pe.1:23).
IX
Ensinam que Cristo em nenhuma parte orou por uma infalível perseverança dos crentes na fé.
Porque eles contradizem ao próprio Cristo quando ele diz: Mas eu roguei por ti [Pedro], para que a tua fé não desfaleça (Lc.22:32); e João o escritor do evangelho quando testifica em
João 17
que não foi somente pelos apóstolos, mas também por todos aqueles que viriam a crer pela sua palavra que Cristo orou: Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste (v.11); e Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal (v.15).
Conclusão
Rejeição de Falsas Acusações
E assim esta é a clara, simples, e direta explanação da doutrina ortodoxa nos cinco artigos em disputa na Holanda, bem como a rejeição dos erros pelos quais as Igrejas da Holanda têm por algum tempo sido perturbadas. O Sínodo declara esta explanação e rejeição de erros como sendo derivada da Palavra de Deus e de acordo com as confissões das Igrejas Reformadas. Em conseqüência, parece claro que alguns, de quem dificilmente se poderia esperar isto, nenhuma verdade têm apresentado, nem equidade, nem caridade, ao desejarem fazer o povo acreditar:
- que a doutrina das igrejas Reformadas sobre a predestinação, e em pontos associados com esta, por sua própria natureza e tendência, levam as mentes das pessoas para longe de toda piedade e religião, que é um narcótico da carne e do diabo, que é uma fortaleza de Satanás onde ele está esperando por todas as pessoas, feridas muitas delas, e que fatalmente penetra muitas delas com setas tanto de desespero quanto de autoconfiança.
- que esta doutrina faz Deus ser o autor do pecado, da injustiça, um tirano, e um hipócrita; e não é nada além de um renovado Estoicismo, Maniqueísmo, Libertinismo, e Maometismo;
- que esta doutrina torna as pessoas carnalmente autoconfiantes, uma vez que as persuade de que nada põe em perigo a salvação dos escolhidos, não importando como eles vivem, uma vez que eles podem cometer os mais ultrajantes crimes com autoconfiança; e que por outro lado nada é de utilidade para os reprovados mesmo que eles tivessem verdadeiramente executado todas as obras dos santos.
- que esta doutrina significa que Deus predestinou e criou, por uma mera e desqualificada escolha da sua vontade, sem a menor estima e consideração por qualquer pecado, a maior parte do mundo à eterna condenação; que da mesma forma que a eleição é a fonte e causa da fé e das boas obras, a reprovação é a causa da descrença e da impiedade; que muitos filhos pequenos de crentes são arrebatados de sua inocência nos seios de suas mães e cruelmente lançados no inferno já que nem o sangue de Cristo, nem seus batismos, nem as orações da igreja em seu batismo podem ser de qualquer utilidade a eles; e muitas outras caluniosas acusações deste tipo que as igrejas Reformadas não somente negam, mas também denunciam de todo o coração.
Por esta razão este Sínodo de Dordt em nome do Senhor apela a todos os que devotadamente clamam em nome do Salvador Jesus Cristo para que formem juízo sobre a fé das igrejas Reformadas não com base em falsas acusações colhidas aqui e ali, ou mesmo com base em afirmações pessoais de um número de autoridades antigas e modernas; — afirmações que freqüentemente são também tiradas fora do seu contexto ou citadas erroneamente e torcidas para se ajustarem a um significado diferente — mas com base nas confissões oficiais das próprias igrejas e na presente explanação da doutrina ortodoxa a qual foi endossada por consenso unânime de cada um dos membros do Sínodo.
Além disso, o Sínodo severamente adverte os próprios falsos acusadores para que considerem quão pesado julgamento de Deus aguarda aqueles que dão falso testemunho contra tantas igrejas e suas confissões, transtornam as consciências dos fracos, e buscam predispor as mentes de tantos contra a comunhão dos verdadeiros crentes.
Finalmente, este Sínodo deseja que todos os companheiros ministros do evangelho de Cristo lidem com esta doutrina de forma piedosa e reverente, tanto em instituições acadêmicas quanto nas igrejas; assim fazendo em seu falar e escrever, tendo em vista a glória do nome de Deus, a santidade de vida, e o consolo das almas ansiosas; que pensem e também que falem sobre a Escritura de acordo com a analogia da fé; e, finalmente, que refreiem todos aqueles modos de falar que vão além dos limites estabelecidos para nós pelo genuíno senso das Sagradas Escrituras e que possam não dar aos impertinentes sofistas uma justa oportunidade para zombar da doutrina das igrejas Reformadas ou mesmo trazer falsas acusações contra ela.
Possa o Filho de Deus Jesus Cristo, que está assentado à mão direita de Deus e dá dons aos homens, nos santificar na verdade, guiar à verdade aqueles que erram, silenciar as bocas daqueles que imputam falsas acusações contra a sã doutrina, e equipar os ministros fiéis da sua Palavra com um espírito de sabedoria e discernimento, para que tudo o que venham dizer seja para glória de Deus e para a edificação dos seus ouvintes. Amém.
|