Pr. Rubens Lopes
Um Pouco de Sol
Eu, Não
Foi assim que o apóstolo Pedro respondeu quando Jesus o advertiu - a ele e aos demais apóstolos - que todos o abandonariam no momento mais difícil:
"Então Jesus lhes disse: todos vós, esta noite, vos escandalizareis em mim; porque está escrito: ferirei o Pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão. Mas Pedro respondendo disse: ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei" (Mateus 26:31, 33).
Era como se dissesse: pode acontecer que os outros se escandalizem; eu, não. Eu, não! Como se os companheiros fossem de carne e osso, e ele, de outra matéria-prima. Fora de série. Super-homem.
Essa é, em verdade, a fórmula do quixotismo.
Quem foi Dom Quixote?
Um nobre que se cobriu de ridículo ao sair pelo mundo em busca de aventuras, montado num pobre cavalo que era só pele e ossos. Ostentando um capacete enferrujado e protegido por uma armadura antiquada.
Herói de cavalaria às avessas.
Pedro, coitado, foi mais ou manos isso. Herói de opereta. Tão presumido ele estava de si mesmo que se tornou petulante, contrariando a Escritura - para confirmar o seu pressentimento, Cristo fizera remissão a uma profecia de Zacarias - e contestando a palavra de Jesus diante de todos os apóstolos. É o que sempre acontece com a autolatria1, que faz do homem um devoto de si mesmo. O autólatra perde por completo o senso das proporções e a medida das conveniências.
"Après moi le dèluge" - depois de mim o dilúvio - como teria dito Luiz XV: hoje sou eu; amanhã não importa quem seja, mesmo que outro dilúvio afogue a humanidade. É a hipertrofia2 do eu.
Essa atitude rompante3 perante a vida é sempre de resultados desastrosos. Por que é que Pedro negou a Jesus?
Alguém dirá que foi o diabo que o derrubou.
Não. Pedro caiu do cavalo - do seu pobre Rossinante4 - porque não era bom cavaleiro. Porque era um Dom Quixote simplório e vaidoso: eu, não!
Diante de Deus só ficam de pé aqueles a quem Deus sustenta - essa é a norma do Evangelho. Forte é quem se considera fraco.
"Quando estou fraco então estou forte", dizia Paulo de si mesmo, depois de ter aprendido, a duras penas, a grande lição. Por três vezes ele orou pedindo que Deus lhe arrancasse um espinho que lhe atribulava a vida.
Resposta: "A minha graça te basta porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza." A necessidade do homem é a oportunidade de Deus.
(II Coríntios 12:9,10).
Lição difícil, mas necessária.
1 Autolatria: Adoração de si mesmo. Auto-idolatria.
2 Hipertrofia: Desenvolvimento ou crescimento excessivo.
3 Rompante: Que denota orgulho ou presunção.
4 Rossinante: Cavalo montado por Dom Quixote, na obra de Cervantes.
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