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O Comando da Casa
Autor: Pr. Rubin Slobodticov*
Introdução
Tomo por regra a interpretação da Bíblia pela Bíblia.
O sentido histórico de família é o de "casa". Como tal, possuía como chefe o seu patriarca. Era comum a "casa" ser entendida como a tribo ou a nação. É só conferir
At.3:25
na referência ao texto básico de
Gn.12:3,
cf.
Gn.18:18;
22:18.
Por exemplo, "José pertencia a casa e família (pátria) de Davi"
(Lc.2:4).
Referências fortes são as citações da "casa de Jacó", "casa de Davi", "ex vi"
Lc.1:27,
cf.
Mt.10:6;
At.2:36;
7:42
e
Lc.1:33.
Paulo segue a interpretação avantajada da paternidade ao instruir a Igreja de Éfeso ao dizer de suas razões para "pôr-se de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome"
(3:14-15).
Percebe-se o esquema inteiro de relações ordenadas do pátrio poder sobre a família, e, família de fé.
"Casa" quando não se refere aos aparentados, refere-se a uma unidade social muito bem conhecida tanto no mundo grego quanto romano da época apostólica em função dos benefícios mútuos dessa irmandade. No tempo de Jesus ocorrem alusões a esse tipo e caráter de casa
(Mt.21:33ss.)
A partir disso, a casa auxiliou em muito no crescimento e na estabilidade da Igreja nascente, haja vista o costume judaico da celebração da páscoa como um exercício religioso em família. Assim, não foi difícil o "partir do pão nas casas" e "de casa em casa"
(At.2:46).
Daí, o papel das casas na formação das igrejas do primeiro século. Então, surge a casa de Cornélio, em Cesaréia, composta de servos, soldados, parentes e amigos íntimos
(At.10:7,24).
Em Filipos a casa de Lídia e do carcereiro
(At.16:15,31-34).
A "casa de Estéfanas" foi uma das "primícias da Acaia"
(I Co.16:15
cf.
At.18:8;
I Co.1:14-16;
Rm.16:23).
Outras casas são enumeradas pelo Apóstolo como a de Áquila e Priscila, em Éfeso
(I Co.16:19
cf.
Rm.16:5),
a de Onesíforo também em Éfeso
(II Tm.1:16;
4:19),
a de Filemom, em Colossos
(Fm.1-2),
a de Ninfa, em Laodicéia
(Cl.4:15),
a de Asíncrito e Filólogo
(Rm.16:14-15).
Tudo indica que em Jerusalém as casas eram estabelecidas como unidades
(At.5:42),
como era o costume de Paulo
(At.20:20).
E, o que se ensinava pelas casas? Deveres recíprocos dos integrantes da casa cristã, tal como Paulo e Pedro faziam e ministravam sistematicamente: maridos e mulheres; filhos e pais; servos e senhores
(Cl.3:18-4:1;
Ef.5:22
-
6:9;
I Pe.2:18
-
3:7),
além de outros temas como os sociais e de relacionamentos com autoridades constituídas.
"Casas" ministravam, como a igreja na casa de Priscila e Áquila
(Rm.16:5
e
I Co.16:19),
a de Ninfa
(Cl.4:15),
a de Filemom ou Arquipo
(Fm.2).
"A Bíblia pela Bíblia"
A casa era considerada como uma igreja, uma congregação local. Certamente em função da sua localidade ao proporcionar o máximo de hospitalidade, ali se reunia a igreja, como foi a de Gaio em
Rm.16:23
- o hospedeiro de "toda a igreja".
Por isso e muito mais é que a igreja era chamada de "casa de Deus"
(Ef.2:19
cf.
I Tm.3:15),
como uma "família de fé"
(Gl.6:10).
Então, os crentes eram "filhos adotivos" dessa "casa"
(Rm.8:15-17),
servos e despenseiros da Sua graça
(I Co.9:17;
I Pe.4:10).
Esse é o arcabouço da administração funcional da Igreja.
A quem cumpria os deveres da casa? Não é preciso muito esforço para aplicar a orientação divina em razão da comparação do Novo Testamento ao estabelecer Jesus o cabeça da Igreja, assim como o homem é cabeça em sua casa.
Interpretações semânticas pervertem a ordem salutar da casa. Nela, a mulher tem papel e função própria que não compete ao homem onde a recíproca também é verdadeira, sem malabarismo filosófico e hermenêutico.
É só observar como Salomão conduzia a sua casa, pelas mãos de sua competentíssima mulher.
Cada casa tem um despenseiro predeterminado por Deus, assim como a família por Ele mesmo estabelecida. Não se pode perverter a função de seus integrantes sob pena de invalidar a soberania divina sobre seu programa de gerenciamento da família, desde a gênese humana. E, isso, não diminui a ninguém, pelo contrário, é assim que o Senhor estabelece harmonia, fecundidade, crescimento e êxito em seu projeto para a humanidade.
Moisés foi o despenseiro-chefe da casa de Deus que prefigurava Jesus como "filho e herdeiro da casa de Deus"
(Gl.3:23
-
4:7).
E, nessa casa, os crentes receberam a missão de despenseiros da graça para guardar, com ousadia e esperança até ao fim, a missão dessa casa.
Para mim, a simplicidade de Deus não demanda profundos estudos sobre a estrutura funcional da "casa de Deus". É preciso manter a identidade dessa estrutura lançada por Deus e tomada por Ele como figura da sua Igreja em relação ao comando supremo de Jesus, o cabeça da casa assim como o marido é cabeça da mulher, em família. Nela, cada um tem o seu papel e função. Se os dons para o seu funcionamento são graça pura divina, não cabe a nós reivindicar posição mais favorável em razão da sua necessidade e funcionalidade, como se fosse possível a um corpo paraplégico estabelecer as mãos como os órgãos mais proeminentes em razão da sua especialidade. Nunca deixarão de ser mãos. É o que Deus estabeleceu.
É preciso ter percepção hábil para reconhecer a supervalorização de determinados membros do corpo em determinadas circunstâncias, mas não promovê-los ao que não estão destinados. Ou Deus mudou seus conceitos radicais sobre "casa", "família" e as revelou só para alguns mais hábeis na promoção humana ou, mudou seus conceitos sobre o comando e relacionamento familiar?
Ou Deus, hoje, tem outra revelação sobre a que fez de sua igreja ao compará-la ao corpo humano? Ou, temos nós alterado regras básicas de hermenêutica ao concluir que, se um membro fala bem, discípula bem, visita bastante então é ou pode vir a ser pastor? Mas, pastoreio não é mais por vocação? Vocação que não se confunde por brilhantismo e preparo acadêmico e intelectual, mas habilidades ao manusear e conduzir pessoas? Então, por que nem todos os advogados, médicos, psicólogos, sociólogos, etc. cristãos são ou podem ser pastores também?
Parece que estamos a gerar novas regras hermenêuticas: (1) a por inferência ou dedução lógica, v.g., se uma mulher pode ser rainha ou juíza, por essas mesmas razões pode ser pastora; e, (2) por razões sociológicas e culturais contemporâneas, v.g., antigamente não era possível, mas como nem tudo na Bíblia possui valor atemporal, então hoje nós podemos fazer o que queremos com a Bíblia para chegarmos aos fins desejados. Assim, em ambas as regras utilizamos "a Bíblia pela Bíblia" apenas como pretexto.
O Comando da Casa
Temo pela legalização da "profissão de religioso". A classe de "sacerdote" já está até catalogada no I.R.; o INSS já beneficia a muitos. Parece-me que estamos nos tornando presas do sistema legal quando queremos ser equiparados ao que está fora dos arraiais da fé evangélica. Igrejas ou líderes locais já se voltam contra seus pastores ao afastá-los das responsabilidades administrativas e os colocam como subalternos legalmente porque quem não dirige é dirigido e, portanto, dependente.
Mas, quem está no comando dessa Casa? O Senhor, ou pessoas habilidosas? Continuemos a aprender: um simples pastor esquecido no campo por seus irmãos, comandou a Casa de Israel, como ninguém; um fujão, mas de caráter que não renegou sua índole ao lhe ser perguntado, foi quem livrou uma nação do julgamento divino; um perseguidor convicto, embora ciente de todas as suas habilitações, considerou-as como lixo para poder ganhar outros para Jesus, que nem se lembrava bem de quem e quantos houvera batizado; outro que, embora jurasse fidelidade, acovardou-se, o Senhor o fez "apascentador do seu rebanho". Ele aprendeu que não deveria ter domínio sobre a herança de Deus.
Conclusão
Quanto vale o seu título nessa Casa? "Ele veio buscar e salvar o que se havia perdido". Ele continua a ser independente do que os pecadores pensam e fazem Dele.
Feliz é o crente em Jesus que sabe o que deve ser e faz o que entende ser estritamente sua missão, mesmo que muitos não o reconheçam como "mão", "olho", "orelha", etc.
* Pr. Rubin Slobodticov: Advogado, Teólogo, Pastor da Igreja Memorial Batista de Bauru (SP) e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Bauru.
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